Antes dessas experiências eu já havia ensinado no Pronatec e no Mulheres Mil, mas são atuações completamente diferentes.
Agora, na disciplina de Mídias e Tecnologia no Ensino, fomos orientados a produzir algo ligado à educação em um blog e, como eu já tinha esse - há muito tempo precisando de atualizações, resolvi aproveitá-lo.
Como primeira postagem direcionada à atividade, gostaria de dividir um texto trabalhado nas turmas de 3º ano durante o Estágio II. É um artigo de opinião, uma crítica especializada. Mas não qualquer crítica: é a crítica de Monteiro Lobato sobre a exposição de Anita Malfatti.
Espero que gostem. Foi discussão maravilhosa sobre arte, cultura, preconceito, machismo e muito mais.
#literaura #pré-modernsmo #monteirolobato #letras #licenciatura #ifal
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Pré-modernismo
- Leitura complementar
Famoso
episódio:Anita Malfatti x Monteiro Lobato.
Como
se sabe, em 20.12.1917, Monteiro Lobato publicou no Jornal O Estado
de São Paulo o texto “A propósito da exposição de Malfatti”,
sobre a exposição da artista com 53 trabalhos dela e outros de três
artistas, seus colegas. Nesse texto, o autor faz consideráveis
críticas às pinturas expostas e se posiciona contrário as
inovações plásticas apresentadas. Dois anos depois, quando o texto
é republicado, os modernistas Menotti Del Pichia e Mário de Andrade
escrevem em defesa de Malfatti e afirmam que as críticas de Lobato
teriam causado tal impacto na artista que esta passaria a apresentar
um retrocesso no seu percurso poético-visual expressionista.
A
crítica de Lobato foi republicada em 1919 no livro Idéias de Jeca
Tatu, de Monteiro Lobato, com o título Paranóia ou Mistificação?
“Paranóia
ou Mistificação?”
Este
artigo foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 20 de dezembro
de 1917, com o título “A Propósito da Exposição Malfatti”,
provocando a polêmica que afastaria os modernistas de Monteiro
Lobato.
Há
duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as
coisas e em conseqüência disso fazem arte pura, guardando os
eternos rirmos da vida, e adotados para a concretização das emoções
estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. Quem trilha
por esta senda, se tem gênio, é Praxíteles na Grécia, é Rafael
na Itália, é Rembrandt na Holanda, é Rubens na Flandres, é
Reynolds na Inglaterra, é Leubach na Alemanha, é Iorn na Suécia, é
Rodin na França, é Zuloaga na Espanha. Se tem apenas talento vai
engrossar a plêiade de satélites que gravitam em torno daqueles
sóis imorredouros. A outra espécie é formada pelos que vêem
anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras,
sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá
como furúnculos da cultura excessiva. São produtos de cansaço e do
sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de fins de
estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um
instante, as mais das vezes com a luz de escândalo, e somem-se logo
nas trevas do esquecimento.
Embora
eles se dêem como novos precursores duma arte a ir, nada é mais
velho de que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia
e com a mistificação. De há muitos já que a estudam os
psiquiatras em seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos
que ornam as paredes internas dos manicômios. A única diferença
reside em que nos manicômios esta arte é sincera, produto ilógico
de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora
deles, nas exposições públicas, zabumbadas pela imprensa e
absorvidas por americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem
nenhuma lógica, sendo mistificação pura. Todas as artes são
regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não
dependem do tempo nem da latitude. As medidas de proporção e
equilíbrio, na forma ou na cor, decorrem de que chamamos sentir.
Quando as sensações do mundo externo transformam-se em impressões
cerebrais, nós "sentimos"; para que sintamos de maneiras
diversas, cúbicas ou futuristas, é forçoso ou que a harmonia do
universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja
em "pane" por virtude de alguma grave lesão. Enquanto a
percepção sensorial se fizer anormalmente no homem, através da
porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não
poderá "sentir" senão um gato, e é falsa a
"interpretação" que o bichano fizer um "totó",
um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes. Estas
considerações são provocadas pela exposição da Sra. Malfatti,
onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética
forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia. Essa
artista possui talento vigoroso, fora do comum. Poucas vezes, através
de uma obra torcida para a má direção, se notam tantas e tão
preciosas qualidades latentes. Percebe-se de qualquer daqueles
quadrinhos como a sua autora é independente, como é original, como
é inventiva, em que alto grau possui um semi-número de qualidades
inatas e adquiridas das mais fecundas para construir uma sólida
individualidade artística. Entretanto, seduzida pelas teorias do que
ela chama arte moderna, penetrou nos domínios dum impressionismo
discutibilíssimo, e põe todo o seu talento a serviço duma nova
espécie de caricatura. Sejam sinceros: futurismo, cubismo,
impressionismo e tutti quanti não passam de ouros tantos ramos da
arte caricatural. É extensão da caricatura a regiões onde não
havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma -
caricatura que não visa, como a primitiva, ressaltar uma idéia
cômica, mas sim desnortear, aparvalhar o espectador. A fisionomia de
que sai de uma destas exposições é das mais sugestivas. Nenhuma
impressão de prazer, ou de beleza denuncia as caras; em todas,
porém, se lê o desapontamento de quem está incerto, duvidoso de si
próprio e dos outros, incapaz de racionar, e muito desconfiado de
que o mistificam habilmente. Outros, certos críticos sobretudo,
aproveitam a vaza para épater les bourgeois. Teorizam aquilo com
grande dispêndio de palavrório técnico, descobrem nas telas
intenções e subintenções inacessíveis ao vulgo, justificam-nas
com a independência de interpretação do artista e concluem que o
público é uma cavalgadura e eles, os entendidos, um pugilo genial
de iniciados da Estética Oculta. No fundo, riem-se uns dos outros, o
artista do crítico, o crítico do pintor e o público de ambos. Arte
moderna, eis o estudo, a suprema justificação. Na poesia também
surgem, às vezes, furúnculos desta ordem, provenientes da cegueira
sempre a mesma: arte moderna. Como se não fossem moderníssimo esse
Rodin que acaba de falecer deixando após si uma esteira luminosa de
mármores divinos; esse André Zorn, maravilhoso "virtuose"
do desenho e da pintura; esse Brangwyn, gênio rembrandtesco da
babilônia industrial que é Londres; esse Paul Chabas, mimoso poeta
das manhãs, das águas mansas, e dos corpos femininos em botão.
Como se não fosse moderna, moderníssima, toda a legião atual de
incomparáveis artistas do pincel, da pena, da água-forte, da dry
point que fazem da nossa época uma das mais fecundas em obras-prima
de quantas deixaram marcos de luz na história da humanidade. Na
exposição Malfatti figura ainda como justificativa da sua escola o
trabalho de um mestre americano, o cubista Bolynson. É um carvão
representando (sabe-se disso porque uma nota explicativa o diz) uma
figura em movimento. Está ali entre os trabalhos da Sra. Malfatti em
atitude de quem diz: eu sou o ideal, sou a obra-prima, julgue o
público do resto tomando-me a mim como ponto de referência.
Tenhamos coragem de não ser pedante: aqueles gatafunhos não são
uma figura em movimento; foram, isto sim, um pedaço de carvão em
movimento. O Sr. Bolynson tomou-o entre os dedos das mãos ou dos
pés, fechou os olhos, e fê-lo passar na tela às pontas, da direita
para a esquerda, de alto a baixo. E se não o fez assim, se perdeu
uma hora da sua vida puxando riscos de um lado para o outro,
revelou-se tolo e perdeu tempo, visto como o resultado foi
absolutamente o mesmo. Já em Paris se fez uma curiosa experiência:
ataram uma brocha na cauda de um burro e puseram-no traseiro voltado
numa tela. Com os movimentos da cauda do animal a broxa ia borrando a
tela. A coisa fantasmagórica resultante foi exposta como um supremo
arrojo da escola cubista, e proclama pelos mistificadores como
verdadeira obra-prima que só um ou outro raríssimo espírito de
eleição poderia compreender. Resultado: o público afluiu,
embasbacou, os iniciados rejubilaram e já havia pretendentes à tela
quando o truque foi desmascarado. A pintura da Sra. Malfatti não é
cubista, de modo que estas palavras não se lhe endereçam em linha
reta; mas como agregou a sua exposição uma cubice, leva-nos a crer
que tende para ela como para um ideal supremo. Que nos perdoe a
talentosa artista, mas deixamos cá um dilema: ou é um gênio o Sr.
Bolynson e ficam riscados desta classificação, como insignes
cavalgaduras, a coorte inteira dos mestres imortais, de Leonardo a
Steves, de Velásques a Sorolla, de Rembrandt a Whistler, ou...
vice-versa. Porque é de todo impossível dar o nome da obra de arte
a duas coisas diametralmente opostas como, por exemplo, a Manhã de
Setembro, de Chabas, e o carvão cubista do Sr. Bolynson. Não fosse
a profunda simpatia que nos inspira o formoso talento da Sra.
Malfatti, e não viríamos aqui com esta série de considerações
desagradáveis.
Há
de ter essa artista ouvido numerosos elogios à sua nova atitude
estética. Há de irritar-lhe os ouvidos, como descortês
impertinência, esta voz sincera que vem quebrar a harmonia de um
coro de lisonjas. Entretanto, se refletir um bocado, verá que a
lisonja mata e a sinceridade salva. O verdadeiro amigo de um artista
não é aquele que o entontece de louvores, e sim o que lhe dá uma
opinião sincera, embora dura, e lhe traduz chãmente, sem reservas,
o que todos pensam dele por detrás. Os homens têm o vezo de não
tomar a sério as mulheres. Essa é a razão de lhes derem sempre
amabilidades quando elas pedem opinião. Tal cavalheirismo é falso,
e sobre falso, nocivo. Quantos talentos de primeira água se não
transviaram arrastados por maus caminhos pelo elogio incondicional e
mentiroso? E tivéssemos na Sra. Malfatti apenas uma "moça que
pinta", como há centenas por aí, sem denunciar centelhas de
talento, calar-nos-íamos, ou talvez lhe déssemos meia dúzia desses
adjetivos "bombons" que a crítica açucarada tem sempre à
mão em se tratando de moças. Julgamo-la, porém, merecedora da alta
homenagem que é tomar a sério o seu talento dando a respeito da sua
arte uma opinião sinceríssima, e valiosa pelo fato de ser o reflexo
da opinião do público sensato, dos críticos, dos amadores, dos
artistas seus colegas e... dos seus apologistas. Dos seus apologistas
sim, porque também eles pensam deste modo... por trás.
Disponível
em
http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/educativo/paranoia.html,
acessado em 18 de maio de 2017.