sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Lindeza de inutensílio

Gosto que só do Paulo Leminski.
E quanto mais leio, mais gosto.

Uma vez ele disse que o poeta não se definia pelos conteúdos que veiculava, pois quem veicula conteúdos são jornalistas (!!!!). O poeta se definiria pela capacidade de criar beleza com a linguagem. Eu sou uma jornalista que adoraria ser poeta e criar essa beleza. E sempre acreditei que essa beleza fosse de uma tremendamente importante. Depois que li o texto dele sobre a inutilidade (?) da poesia parei pra analisar melhor essa estória...

Quando Paulo Leminski diz que a poesia é um inutensílio, ele dá a ela um valor que não pode ser mensurado. Para a sociedade capitalista o que não é útil não tem valor algum, mas, na perspectiva do poeta essa falta de utilidade e valor decorrem de considerar a poesia como algo além da utilidade e do valor como definidos pela sociedade do consumo. A poesia é uma espécie de releitura do mundo e não precisa ter objetivo que não seja apenas existir, bastando-se a si mesma. É uma necessidade de expressão que não precisa de justificativa, pois sua finalidade é ser o que é. São tantas as coisas inúteis que nos fazem bem e, se não existissem, tornariam nossa vida mais pobre e inexpressiva: coisas que estão além da utilidade num mundo de consumismo, de compra e descarte rápidos.
Leminski comenta que, por algum tempo e em alguma época da vida, todos somos poetas, uns escreveram as suas próprias poesias e outros copiaram alguns versos em diários ou cartas de amor, mas alguns poucos escrevem para viver e vivem para escrever poesia. Na maioria das vezes as necessidades cotidianas tendem a afastar alguns poetas de seus versos e apenas com heroísmo e santidade, distanciando-se deste mundo e de suas demandas materiais – mundo onde tudo é valorado, pesado, medido e etiquetado – o poeta realiza a sua recriação do mundo, transformando com seu olhar as realidades, apresentando-as de acordo com sua perspectiva, levando o real para além do aqui e do agora.
Apesar da inutilidade da poesia, a vida voltada para o fazer poético precisa ter uma compensação financeira para que o poeta sobreviva e continue a transformar a realidade, oferecendo outros modos de enxergar o mundo através de sua arte. Se o poeta precisa se apartar do mundo para enxergá-lo, recriá-lo e devolvê-lo de maneira renovada e renascida - razão que o impulsiona a continuar vivendo sua arte a despeito das “coisas do mundo” - ele também se aparta das compensações financeiras que a troca de ocupação poderia oferecer-lhe. Assim, os poetas certamente não se tornam ricos, mas enriquecem o viver de seus leitores e fazem do mundo um lugar de abundante, valiosa, heroica e santificada inutilidade.

Agora eu sou uma jornalista que adoraria escrever inúteis!

"Inutensílio" - Paulo Leminski

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